Romancista segue presente em discussões sobre cultura, patrimônio, teatro, música e dança, sempre criando conexões entre o popular e o erudito
“Não troco meu oxente pelo ok de ninguém“. A frase de Ariano Suassuna, que morreu há 10 anos, em 23 de julho de 2014, ainda surge nas redes sociais em momentos em que se exalta o “orgulho de ser nordestino“.
Ao mesmo tempo, a premissa também relembra o comportamento um tanto radical pelo qual o dramaturgo, romancista e poeta é lembrado na defesa da cultura popular da região.
Crítico ferrenho de uma lista de artistas que incluía de Madonna à Banda Calypso, Suassuna tentava se contrapor ao inevitável avanço da globalização, ainda mais acelerada com as mídias digitais.
Como Ariano reagiria à dinâmica cultural dos tempos digitais? Do piseiro que emana dos sertões? As manifestações como o brega-funk? Nunca teremos respostas, mas vale o exercício de imaginar.
Popular e erudito
Em tempos em que os cânones que balizaram a tradição cultural nordestina são questionados (Gilberto Freyre é um bom exemplo disso), também existem reflexões sobre esse constante apontamento sobre o que é “popular e o que não é“.
O movimento armorial, certamente o seu maior legado, trazia a cultura popular para a estética do erudito com o objetivo de valorizar essas expressões que corriam pelas margens do poder econômico e político.
Mas, ao mesmo tempo, também trazia uma certa “mediação” de um intelectual de origem abastada para que essa valorização ocorresse. Hoje, essa mediação pode não existir devido às novas possibilidade de comunicação.
Contemporâneo
Essas reflexões sobre a dinâmica cultural nos leva a considerar que Ariano Suassuna continua onipresente nas discussões sobre cultura, patrimônio, teatro, música e dança, sempre criando essas conexões entre o popular e o erudito. Afinal, a ideia de Nordeste do Manifesto Regionalista (1926) continua em aberto.
Ele foi um intelectual que circulou entre os meios mais acadêmicos, ao mesmo tempo em foi extremamente massificado por fenômenos como a adaptação de Guel Arraes para “Auto da Compadecida” (peça de 1955). Um sucesso do cinema, inclusive, que ganhará uma continuação no final do ano.
Trata-se de um legado que o vandalismo sofrido pela sua estátua do Circuito da Poesia, na Rua da Aurora, em 2020, não será capaz de apagar. A homenagem fica bem em frente ao Teatro Arraial Ariano Suassuna, que retornou a sua temporada de espetáculos em março deste ano.
Sertão medieval
Também é impossível falar da obra do paraibano sem mencionar o caráter medieval que circunda as suas peças. Seja em “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” (1971) ou “História do Rei Degolado / Ao Sol da Onça Caetana” (1977).
Nessas obras, os fatos são narrados obra como grandes façanhas de cavaleiros e nobres medievais, ora são narrados como disputas sertanejas em que muitos morrem de forma miserável por pequenas disputas de poder.
Com esse estilo, Suassuna buscou erguer uma espécie de mitologia brasileira com base popular nordestina a partir da tradição oral da região. A xilogravura das feiras populares ganham ares de história medieval, mas com um procedimento moderno que marcou a sua geração de pensadores.
Vida pública
Como profundo conhecedor da cultura, Ariano também deixou o seu legado na administração pública. Foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura (1967–1973). Atuou como Secretário de Educação da Prefeitura do Recife, em 1975, e assume a Secretaria Estadual de Cultura de Pernambuco, em 1995, retornando como secretário especial de cultura entre 2007 e 2010.
Em 1990, foi eleito imortal da Academia Brasileira de Letras. No fim da vida, foi secretário da Assessoria Especial do governador Eduardo Campos (2011–2014). Na oportunidade, declarou que era “um contador de história” e que encerraria sua “vida política neste cargo”. A continuidade do seu legado, especialmente na educação e na cultura, mostra a profundidade de suas contribuições.
Obras de destaque
- Uma mulher vestida de Sol (1947)
- Auto da Compadecida (1955)
- O Santo e a Porca (1957)
- A Farsa da Boa Preguiça (1960)
- A Caseira e a Catarina (1962)
Romances
- A História de amor de Fernando e Isaura (1956)
- Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971)
- História d’O Rei Degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana (1977)
- A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores (2017) – publicação póstuma
Fonte: Portal NE10
Foto: Divulgação