Com o histórico de 373 medalhas em todos os Jogos Paralímpicos, o Brasil Paralímpico consolidou patrocínios nos anos recentes, mas ainda precisa permanecer no pódio para garantir o interesse das marcas
Ontem, 28, na cerimônia de abertura do Jogo Paralímpico de Paris, o Brasil levou sua maior delegação de atletas da história para competir nos Jogos Paralímpicos Paris 2024. De fato, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) levou 255 esportistas com deficiência, além de outros auxiliares aos esportistas, e desenvolveu a marca Brasil Paralímpico. Apesar das expectativas, os resultados no quadro de medalhas e o desempenho dos paratletas ainda são os principais vetores de atração das marcas, mais pressionadas pela sociedade a adotarem políticas e práticas de inclusão.
Para Marcelo Paganini, professor de gestão e marketing esportivo na ESPM-SP, o interesse do público nos Jogos Paralímpicos é crescente. Sobretudo, em razão de dois fatores: o primeiro é que, desde 1988, tanto a Olímpiada quanto a Paralimpíada acontecem no mesmo local. De fato isso mobiliza turistas e as cidades-sede, o que permite que a mídia crie uma narrativa esportiva integrada de longo prazo.
Quais são os desafios dos atletas paraolímpicos?
No segundo ponto, na perspectiva do especialista, Paris está sendo um ponto de virada quando se trata de inclusão. Em razão da comunicação oficial e das campanhas das marcas, as empresas trouxeram em uma mesma plataforma os atletas de alto rendimento de ambas as competições. Num desses exemplos, durante a cerimônia de abertura da Olimpíada, atletas paralímpicos carregaram a tocha, como o nadador francês Théo Curin.
Além disso, o especialista aponta que o desempenho dos atletas será o principal motor que levará investimentos privados para o esporte. “O interesse do público é genuíno. Ele acompanha o desempenho dos atletas. Somos uma das maiores potências paralímpicas”, destaca. A melhor campanha do Brasil foi em Tóquio 2020, quando conquistou 22 ouros, 20 pratas e 30 bronzes, ficando entre os sete primeiros colocados no quadro de medalhas.
“A inclusão é questão de costume. Quando um atleta que representa nosso País vai bem, o desempenho ajuda muito a mudar a lente pela qual as pessoas observam a competição”, explica. De acordo com o Comitê Paralímpico Internacional (CPI), a Paralimpíada de Tóquio teve audiência acumulada de mais de 4,25 bilhões de pessoas.
Quais as marcas patrocinadoras dos Jogos Paralímpicos?
Atualmente, a legislação brasileira garante que cerca de 3% da arrecadação das loterias seja destinada ao CPB (37%) e ao COB (63%). “Isso dá segurança para o CPB continuar seus projetos. Além disso, a cada ciclo que passa, a iniciativa privada se mostra mais interessada em estar ao lado. O comitê tem como estratégia não ser dependente unicamente do dinheiro público, mas fazer com que as marcas criem produtos licenciados”, comenta Yohansson Nascimento.
Nesse ciclo, o comitê conquistou um novo apoiador e chegou a sete. São eles: Asics (assinou em novembro de 2023), Ajinomoto (parceira desde 2019), Braskem (2015). Além disso, também estão Havaianas (2020), Loterias Caixa (2003), Max Recovery (2021) e Toyota (desde 2017). Ao mesmo tempo, o CPB estreitou laços com outras empresas para a criação de coleções de roupas para pessoas com deficiência (PCD). Como foi o caso da Asics, que criou uniformes que serão usados para subir ao pódio.
Quais os desafios para criação de peças para pessoas com deficiência?
As peças — vendidas nos pontos de vendas da marca — têm acabamentos e confecções pensadas para o o cotidiano das pessoas com deficiência. Entre os diferenciais, estão zíperes nas laterais para facilitar a colocação de próteses, etiquetas internas e “Brasil” em braile. “Quando mergulhamos em uma pauta como inclusão, aprendemos que a acessibilidade e o cuidado moram nos detalhes.
Sempre trouxemos os atletas para dentro do jogo porque, no final, quem usa essas roupas para competir e no cotidiano são eles”, explica Felipe Pontual, gerente de esports marketing da Asics América Latina.
Em Tóquio 2020, a marca patrocinou quatro atletas paraolímpicos. No atletismo, o ex-BBB Vinicius Rodrigues e no tênis em cadeira de rodas, Gustavo Carneiro. Além das atletas de vôlei sentado Edwarda Oliveira e Luiza Fiorese. Apesar dos incentivos, a unidade brasileira da Asics tem apenas 2% de funcionários PCDs e tem trabalhado para preencher mais posições, além de promover encontros e reuniões sobre a pauta de diversidade para os colaboradores.
Quais as ações da marcas patrocinadoras em ESG?
Para combinar com os uniformes, a Toyota produziu mais de 500 kits que têm como matéria-prima uniformes, cintos de segurança e outros componentes residuais da produção dos veículos. As bolsas e mochilas foram desenhadas por Lucas Julião, paratleta de esgrima em cadeira de rodas e designer do CPB, e produzidas pelo projeto social ReTornar. Durante Paris 2024, a Toyota oferecerá 2,6 veículos eletrificados e puxadores de cadeira de rodas elétricos.
Além disso, disponibilizará mais 150 cadeiras de rodas para a cerimônia de abertura e outros 250 veículos de transportes acessíveis. “O público espera que as empresas que apoiam o evento tenham compromisso real com a inclusão e a diversidade, e não apenas que utilizem o evento como oportunidade de marketing”, afirma Otacílio do Nascimento, gerente de comunicação corporativa a Toyota e diretor executivo da Fundação Toyota.
De fato, a marca apoia 300 atletas olímpicos e paralímpicos nesta edição e, no Brasil, o representante é o jogador de futebol de cinco para deficientes visuais, Ricardo Alves. Essas estratégias integram a plataforma de marketing da montadora “Start Your Impossible”, que destaca a importância da mobilidade para inspirar pessoas a superarem obstáculos que se apresentam na vida.
“O apoio ao movimento paralímpico e a parceria com o CPI ajudam a quebrar barreiras e a promover a participação social de pessoas com deficiência, alinhando-se ao objetivo da Toyota de criar um mundo melhor e mais acessível para todos”, ressalta. A empresa pontua, ainda, que a retenção de talentos nesse segmento contribui para o desenvolvimento de tecnologias e adaptações que atendam às necessidades individuais dos consumidores, como o C+WalkS e o C+WalkT, veículos de mobilidade individual. No Brasil, a Toyota possui 262 funcionários PCDs.
Qual o impacto do patrocínio para os atletas?
Para complementar o look dos atletas paraolímpicos, a Havaianas desenvolveu calçados com solas e tiras adaptadas para próteses e outras deficiências. Além do modelo entrar para seu catálogo fixo, parte das vendas serão convertidas em investimentos ao centro de treinamento do CPB. Para a vice-presidente global de marketing da Havaianas, Maria Fernanda Alburquerque, o maior desafio no desenvolvimento de produtos para PCDs é conseguir atender o maior número de necessidades individuais. Para que atendesse essas demandas, a empresa trabalhou em parceria com o CPB.
Além disso, na publicidade, a Havaianas montou um grupo de atletas que pudessem representar os objetivos da marca e promover a inclusão. O time é composto por Gabriel Araújo, Edênia Garcia, Esthefany Rodrigues, Raíssa Machado, Paulo Salmin e Thiago Paulino. “A Havaianas não é uma
marca de performance, mas vemos esse patrocínio como excelente oportunidade para nos conectar de forma autêntica com as pessoas, fazendo parte das conversas do momento e celebrando o espírito esportivo e a brasilidade, que têm tudo a ver com a nossa marca”, diz.
A Alpargatas, dona da Havaianas, tem programa de letramento sobre diversidade e inclusão chamado Allpa. Além disso, tem a meta de até 2023 ter 25% dos cargos de liderança ocupados por grupos sub-representados, como PCDs, pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+. As operações da Havaianas no Brasil têm 5% de pessoas com deficiência.
Quais as ações das marcas para a edição dos jogos de Paris?
Para Paganini, as temáticas relacionadas à demanda para inclusão, sustentabilidade e governança nas empresas deu novo folego para que as marcas fossem atrás de parcerias que contemplasse a pauta ESG. Assim como Asics e Toyota, a Visa é uma das patrocinadoras do CPI. Em meados dos anos 2000, o programa Team Visa surgiu como impulsionador das carreiras dos atletas ao promover treinamentos de mídia, incentivos financeiros e suporte ao longo do seu desenvolvimento. Nessas duas décadas, já apoiou mais de 600 atletas olímpicos e paralímpicos. Atualmente, 46 atletas paralímpicos do Team Visa disputarão os jogos, incluindo a brasileira Raissa Rocha Machado, do atletismo paralímpico.
Além disso, a Visa fez uma parceria com a Parabank, banco digital para PCDs criado por Gelson Jr, ex-atleta paraolímpico no basquete em cadeiras de rodas. Entre os benefícios, a parceria envolve clínicas de reabilitação e marketplaces com produtos e serviços destinados para PCDs. Os cartões estão disponíveis em braile e possuem funções táteis que facilitam a identificação e localização. Parte das receitas geradas pelos cartões serão destinadas ao Para Instituto, fundado em 2023 pelo Parabank. O objetivo é oferecer suporte para crianças e jovens, proporcionando acesso a reabilitação, capacitação, assistência médica, apoio psicológico e atividades esportivas.
Segundo o diretor-executivo de marketing da Visa do Brasil, Rodrigo Bocchochio, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos se conectam com valores de inclusão e diversidade da Visa. “Patrocinar é uma forma de reforçar o lado institucional da marca com ações de inclusão e facilitação financeira”, afirma. A empresa criou o comitê de inclusão e diversidade como vertical interdisciplinar que conecta as práticas e políticas de letramento e reponsabilidade social.
Quais as ativações das marcas para os Jogos Paralímpicos?
Outra patrocinadora do CPB, a Braskem tem um programa global chamado “Respeito é inegociável”, que o mote que visa promover um ambiente inclusivo para trabalhadores. Além do programa de diversidade que aborda pilares como vagas afirmativas, iniciativas de desenvolvimento, campanhas de conscientização e treinamentos.
“A Braskem tem a ambição de ser reconhecida como empresa humana e de referência na promoção da inclusão e da igualdade de oportunidades, buscando representar a sociedade em que atua”, diz Ana Laura Sivieri, diretora de marketing, comunicação corporativa e imprensa da Braskem. Em 2023, lançou uma rede de afinidade que reúne pessoas com deficiência e aliados para mapear oportunidades de melhoria nos processos da
companhia. Em 2023, havia 31 funcionários PCDs na Braskem.
Para se conectar diretamente com a comunidade, a Braskem transmitirá os Jogos Paralímpicos no Parque Ibirapuera no último final de semana deste mês. O espaço exclusivo da transmissão tem a capacidade para receber até 300 pessoas simultaneamente. Além disso, será possível acessar áreas de gastronomia e lazer de forma gratuita. Ao mesmo tempo, montou a Arena Paraolímpica, com programação para alguns esportes, como vôlei sentado e basquete em cadeiras e rodas.
Além disso, a Braskem organizou com 70 músicos enquadrados em alguma deficiência a gravação de uma canção no Auditório do Ibirapuera. “Não existe mais esse preconceito, as marcas já querem estar ao lado do CPB. Essa parte social do ESG se vincula ao CPB levando em consideração nossa agenda interna de inclusão das pessoas com deficiências para no esporte”, comenta Yohansson Nascimento.
Fonte: Meio e Mensagem