A dor é uma experiência sensorial que costuma ser associada apenas a algum tipo de doença, transtorno ou ferimento. Mas sua extensão – e cura – podem ir além do físico. A medicina vem há algum tempo trabalhando uma nova perspectiva sobre o papel das emoções na forma como se percebe e se sente a dor crônica. Essa percepção mostra como uma série de fatores relacionados aos sentimentos, estados emocionais e posturas pessoais podem estender ou mesmo diminuir a dor, contribuindo para seu tratamento.

O sinal físico de que há algum problema no organismo, pode envolver uma experiência complexa entre mente e corpo. “É preciso pensar na dor como algo subjetivo, individual e pessoal. Duas pessoas podem sofrer a mesma queda, mas uma terá uma experiência diferente da outra. Porque cada um tem crenças e contextos distintos, e a forma como eu entendo a dor é diferente da sua”, afirma Kelly Gama, fisioterapeuta especialista em dor crônica.

Segundo Kelly, a origem da dor deve ser pensada através do modelo biopsicossocial. “O paciente tem dentro do contexto de vida dele fatores biológicos, psicológicos e sociais que interferem em sua dor”, diz. Ela exemplifica com o caso de alguém que travou a coluna durante um exercício físico e foi diagnosticado com hérnia de disco. Ele ficará temeroso de tudo. “Tudo que nós falamos para o paciente é capaz de gerar crenças e medos que fazem com que ele aumente a intensidade da dor”, explica.

Outro fator que a fisioterapeuta cita está relacionado aos próprios pacientes que já têm uma tendência a experimentar mais dor. “São pessoas que possuem um estilo de vida problemático. Não dormem bem, não têm hábitos regulares de atividade física, tem alto nível de ansiedade e estresse, ou uma alimentação desregulada. Todos esses fatores fazem com que o indivíduo tenha um limiar de dor mais baixo, fazendo com que ele experimente mais a dor quando ela surge por algum motivo”, diz ela.

Kelly Gama ressalta que a falta de sono e a depressão são os fatores que mais contribuem para a extensão das dores hoje em dia. Uma pessoa que não dorme bem, explica, está mais suscetível à dor. “Ela não consegue entrar num sono profundo, e a sua musculatura não relaxa. É uma pessoa que acorda com fadiga, vai para a academia e se expõe a um exercício que a trava de alguma forma. Ela põe a culpa no exercício, mas a própria já estava tendenciosa a dor por não ter uma boa noite de sono”, comenta a fisioterapeuta.

O estresse é outro fator doloroso. “O estresse produz várias substâncias inflamatórias. O paciente fica mais tenso e não consegue relaxar a musculatura, que fica mais contraída e gera um processo natural de dor-espasmo-dor, ou seja, quanto mais estresse mais contração muscular, mais dor, e um ciclo que se repete”, explica. Ela ressalta que não há uma área específica do corpo para a dor de fundo emocional, é algo que varia conforme o caso.

Ressignificar a dor
Para saber onde e como dói em diferentes pessoas, Kelly Gama acredita que o profissional de fisioterapia também deve pensar no ‘sistema de dor’, que é o cérebro. “Esse sistema, assim como o respiratório ou o urinário, existe para manter a integridade do organismo. Se ele está desregulado, desfuncional e mal adaptativo, vai fazer com que o seu corpo jogue dor em você”, explica ela, ressaltando que, no espaço Centro Vitta, trabalha com um tratamento chamado ‘Ressignificador’, que trabalha no sistema nervoso central, justamente para regular o sistema de dor.

Dor é algo que vai além de uma lesão ou doença física. “Apesar desse modelo biomédico clássico ter sido nossa base de formação, hoje com toda a neurociência da dor, sabemos que ela vai além disso”, diz Kelly. É por isso que um paciente com dor crônica, por exemplo, não deve ser tratado apenas por um tipo de profissional. “Ele precisa de vários, porque todas as áreas da vida dele repercutem na dor”, enfatiza.

“O portador de dor crônica precisa ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, que poderá incluir o psicologo, um educador físico, o médico para prescrever remédio, etc. Ele precisa de vários profissionais que poderão atuar em um sistema de dor desregulado”, diz. Vários fatores podem estender a dor, como sono, estresse, depressão, ansiedade e humor. O paciente precisa saber o que está acontecendo com ele para enfrentar essa dor.

O fisioterapeuta procura estimular outra postura do paciente hoje em dia. “Não é mais aquela coisa passiva, de só receber o tratamento e esperar algo acontecer. “Hoje nós educamos o paciente para que ele seja o gerenciador de seus sintomas. Ele deve entender que, se a dor apareceu por ele dormir pouco, ele sabe como resolver isso. Quando ele está muito ansioso, trabalhando muito, vai entender porque está dolorido. Assim ele vai saber gerenciar os sintomas”, explica.

Analgésico mental
A psicóloga Clara Carvalho afirma que as emoções desempenham um papel crucial na modulação da dor. “Raiva, tristeza e ansiedade podem exacerbar a sensação de dor”, explica. “Quando a pessoa fica doente ou sente uma dor pontual, é normal ficar mais triste, ou com raiva, revolta. Imagina para quem está constantemente com dor todos os dias há meses?”, indaga? As emoções ativam circuitos cerebrais que influenciam a forma como os sinais de dor são interpretados.

A dor desperta emoções desagradáveis que jogam um “holofote” em cima da sensação dolorosa. Clara explica que, primeiramente, o psicólogo deve trabalhar a aceitação do diagnóstico junto ao paciente. “Mas não é uma aceitação passiva. É aceitar que existe um diagnóstico, mas também entender que a pessoa tem um papel ativo diante dessa dor. Não é só se resignar com isso”, explica.

A psicoterapia de uma maneira geral, independente da abordagem vai ajudar o paciente a enfrentar a dor de uma maneira mais ativa e positiva. “É importante que a pessoa saia do piloto automático, entender o que precisa fazer para lidar com o diagnóstico”, diz.

Emoções positivas, como a alegria, podem atuar como um analgésico natural, segundo a psicóloga. “A emoção desagradável faz com que se sinta mais a dor, da mesma forma que uma emoção positiva diminui a percepção da dor. A psicologia trabalha nessas emoções, fazendo com que o paciente se regule emocionalmente”, aponta. Segundo ela, o processo entre ‘pensamento, comportamento e emoção’ é essencial para a regulação da dor.

Fonte: Tribuna do Norte/Foto: Adriano Abreu