Clubes brasileiros voltam a debater a implementação de regras para equilibrar contas
Dirigentes se reuniram nesta semana na Comissão Nacional de Clubes, na sede da CBF, e retomaram o debate para a implementação do Fair Play Financeiro no Brasil.
Estiveram presentes representantes de Fluminense, São Paulo, Fortaleza, Internacional, Vasco, Atlético-GO, Flamengo e Palmeiras. Os constantes atrasos de pagamentos, inclusive de salários, motivam essa discussão.
O assunto ganhou força também após uma crítica do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, sobre os investimentos feitos pelo Botafogo em contratações recentes. John Textor rebateu dizendo que gasta apenas 45% das receitas do clube em salários.
O que é o Fair Play Financeiro?
Trata-se de um conjunto de regras que visam o controle financeiro dos clubes para que eles se tornem sustentáveis no longo prazo, capazes de honrar seus compromissos, seja com outros clubes, com funcionários ou com o Estado.
As grandes ligas europeias já operam sob essas regras, assim como a própria Uefa, que define critérios para permitir que os clubes disputem seus torneios.
– Um clube não pode gastar além do que arrecada, não pode ter problema de dívidas, não pode ter atraso de salários. Então você cria um conjunto de regras para tentar, de alguma maneira, que eles se mantenham saudáveis – explicou o economista Cesar Grafietti, que em 2019 apresentou um projeto de Fair Play Financeiro à CBF, que não foi implementado.
– Você controla os gastos com percentual da receita, o quanto você pode gastar com salários, encargos, impostos, agentes, contratações, em relação à receita, coloca um teto. E controla os prejuízos. Um limite máximo de prejuízo que o clube pode ter para operar saudável – disse Grafietti, usando a Uefa como exemplo.
Onde o Fair Play Financeiro é aplicado?
As principais ligas europeias têm regras de controle financeiro. Veja alguns casos:
Espanha
A La Liga impõe limite de gastos com salários de atletas e comissão técnica a 70% das receitas orçadas. A dívida líquida, exceto investimentos em infraestrutura, não pode superar o total de receitas. Além disso, o saldo entre contratações e vendas de jogadores tem que ser menor do que 100 milhões de euros.
Inglaterra
A Premier League determina uma limitação de prejuízos acumulados numa análise da soma dos resultados antes dos impostos da últimas três temporadas. Um clube pode ter prejuízo acumulado de até 15 milhões de libras – aceita-se que esse valor chegue a 105 milhões de libras se os acionistas fizerem um aporte de até 90 milhões de libras para retornar o prejuízo aos 15 milhões de libras originais. Valores acima de 105 milhões de libras não são permitidos.
A liga estipulou novas regras para a temporada de 2025/2026, com limite de gastos de 85% das receitas para salários, encargos, pagamento de agentes e amortizações. Também impôs um teto para salários: a folha não pode ser maior do que cinco vezes o valor da menor receita com direitos de transmissão da Premier League.
Uefa
A Uefa implementou o sistema pela primeira vez em 2009 e fez mudanças significativas em 2022 – as regras se tornaram um padrão do qual as ligas nacionais europeias estão se aproximando. Para o órgão continental, os clubes precisam apresentar declarações de que não há atrasos em pagamentos em três períodos, em julho, outubro e janeiro – atrasos maiores de 90 dia agravam as sanções previstas.
A Uefa também determina um limite de 60 milhões de euros em prejuízos acumulados por três temporadas – com flexibilidade para chegar a 90 milhões de euros se houver aporte de até 30 milhões de euros dos acionistas.
As regras atuais também definiram um limite de custos com salários, encargos, agentes e amortizações. Era de 90% da receita na última temporada, agora está em 80%. Para a temporada de 2025/2026, chegará ao último estágio previsto, de 70%.
Punições
Todos os sistemas preveem sanções para o descumprimento das regras. Na Espanha há previsão de impedimento do registro de novos atletas até que o orçamento demonstre equilíbrio.
A Premier League tira pontos dos clubes que não se enquadram, como aconteceu na última temporada com o Everton (oito pontos deduzidos) e o Nottingham Forest (quatro pontos).
A Ligue 1, na França, pode rebaixar os clubes sancionados. Um caso extremo, recente, aconteceu com o Bordeaux, hexacampeão nacional, que foi rebaixado à terceira divisão – e que em julho declarou falência.
A Uefa pode suspender os clubes de participarem de suas competições, como fez com o Milan, em 2018, e a Juventus, em 2023.
Proposta para o Brasil
Grafietti apresentou à CBF, em 2019, um primeiro plano de implantação do Fair Play Financeiro para o Brasil – ele também trabalhou com a Libra, no início da movimentação dos clubes para a criação de uma liga nacional.
Ele propõe regras que unam o controle das dívidas aos controles de gastos, permitindo que clubes com dívidas menores tenham liberdade para investir mais em salários e contratações.
– Tenho clubes muito endividados que atrasam pagamentos por causa disso. Não adianta ter muita receita se a dívida é tão grande que ela consome esse valor. Temos que fazer um trabalho de controle desse endividamento para que os clubes voltem a ser saudáveis e tenham capacidade de investimento real – disse.
– Junto disso, temos que controlar os custos na outra ponta. São duas dimensões: a do controle de dívida e a do controle de gastos. Precisamos fazer é combinar as duas, de modo que clubes que tenham pouca dívida, possam gastar mais. Eles não precisam que sobrem muito dinheiro para pagar suas dívidas. Clubes que têm muitas dívidas, têm que gastar menos.
As discussões entre os clubes brasileiros para a implementação de regras de Fair Play Financeiro são embrionárias, ainda que o assunto tenha sido debatido em outros momentos recentes.
A expectativa é de que eles se reúnam mensalmente na Comissão Nacional de Clubes para tentar fazer esse projeto sair do papel.
Fonte: ge.globo